Porque ancaps não são anarquistas
Entenda porque o anarco capitalismo tem muito de capitalismo e nada de anarco
O termo "anarco capitalismo" (ancap) frequentemente gera confusão ao sugerir uma ligação entre anarquismo e capitalismo. Contudo, uma análise histórica, filosófica e prática revela que essa associação é semanticamente contraditória e ideologicamente incompatível. Os anarco capitalistas não podem ser considerados anarquistas, pois suas premissas fundamentais divergem radicalmente das bases do anarquismo clássico e contemporâneo.
O anarquismo, enquanto movimento político e social, surgiu no século XIX como crítica ao capitalismo e ao Estado, entendidos como estruturas de dominação e exploração. Expoentes teóricos e militantes como Mikhail Bakunin, Piotr Kropotkin e Emma Goldman defendiam a abolição de todas as hierarquias coercitivas, incluindo o Estado, a propriedade privada dos meios de produção e as relações de classe. Para os anarquistas tradicionais, a liberdade só é possível em uma sociedade sem propriedade privada, onde os recursos são geridos coletivamente.
"Eu só me torno verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me rodeiam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade de outrem, longe de ser um limite ou a negação da minha liberdade, é, ao contrário, sua condição necessária e sua confirmação."
— Mikhail Bakunin, Deus e o Estado.
Já o anarco capitalismo, cunhado por Murray Rothbard na década de 1940, parte de pressupostos liberais clássicos, defendendo a privatização total e a ausência de Estado, mas mantendo a propriedade privada e o livre mercado como pilares. Essa visão não apenas preserva hierarquias econômicas, como também as naturaliza, contradizendo o princípio anarquista de igualdade material.
O anarquismo tradicional rejeita a propriedade privada dos meios de produção, entendendo-a como um mecanismo de opressão que concentra poder nas mãos de uma elite. Para anarco-comunistas, mutualistas e outras vertentes, a posse deve ser coletiva ou baseada no uso, garantindo acesso equitativo aos recursos.
Os ancaps, por outro lado, elevam a propriedade privada a um direito natural absoluto, defendendo que indivíduos podem acumular recursos sem limites. Essa lógica, longe de eliminar hierarquias, permite a formação de monopólios e a perpetuação da exploração capitalista - algo que os anarquistas históricos combatem.
Anarquistas clássicos criticam o Estado como instrumento de dominação da classe burguesa, mas também entendem que o capitalismo depende dele para manter privilégios (como leis trabalhistas favoráveis a patrões, o sistema legal e repressivo para proteger a propriedade privada, subsídios a corporações etc). A abolição do Estado, portanto, exige a superação simultânea do capitalismo.
Já os ancaps propõem substituir o Estado por empresas privadas de segurança e justiça, ignorando que tais estruturas reproduziriam a coerção estatal em escala fragmentada. Empresas poderiam formar oligopólios, usando violência para proteger interesses particulares - um cenário que anarquistas rejeitam como mera transferência de poder e não sua eliminação.
A questão semântica e a apropriação do termo "anarquia"
A palavra anarquia tem origem no grego ἀναρχία (anarkhía), que é formada por duas partes:
ἀν- (an-): prefixo que significa "sem" ou "ausência de".
ἀρχή (arkhé): que significa "princípio", "governo" ou "autoridade".
Portanto, ἀναρχία (anarkhía) significa literalmente "sem governo" ou "sem autoridade". Mas os ancaps reinterpretam-no como "ausência de Estado", desconsiderando que o anarquismo tradicional rejeita todas as formas de dominação, incluindo as econômicas. Essa interpretação é vista como fraudulenta por anarquistas, que destacam a incompatibilidade entre "anarquia" e o "capitalismo".
Além disso, o anarco capitalismo não dialoga com as vertentes históricas do anarquismo (como o anarcossindicalismo, o anarco-comunismo ou o eco-anarquismo), que sempre foram anticapitalistas. A tentativa de Rothbard de associar-se a pensadores individualistas do século XIX, como Lysander Spooner, é contestada, já que esses autores criticavam o capitalismo industrial e defendiam formas de mutualismo, não a acumulação ilimitada.
Organizações e teóricos anarquistas atuais rejeitam veementemente o rótulo "anarcocapitalista", pois o capitalismo é incompatível com a autogestão, a solidariedade e a liberdade coletiva, valores centrais do anarquismo. A defesa ancap de hierarquias baseadas em propriedade e riqueza é uma antítese direta ao projeto anarquista.
Os anarco capitalistas podem até compartilhar com anarquistas a crítica ao Estado, mas divergem radicalmente em objetivos e métodos. Enquanto o anarquismo busca a emancipação coletiva e a eliminação de todas as formas de opressão, o ancap defende uma sociedade regida por contratos privados e acumulação de capital - elementos que perpetuam desigualdades e coerção. Assim, o termo "anarco capitalismo" representa não uma vertente do anarquismo, mas uma apropriação inadequada de seu vocabulário para legitimar um projeto ultraliberal.
A insistência em classificar ancaps como anarquistas não apenas distorce a história das lutas libertárias, mas também obscurece a essência revolucionária do anarquismo: a construção de um mundo verdadeiramente livre, igualitário, sem classes sociais, sem Estado e sem dominação.
Resumo do artigo: Semântica freestyle, ignorar leis físicas, econômicas, éticas, testes empíricos, a priori, repetir falácias argumentativas respondidas 100anos atrás e espantalho.
Outro autor que desconhece aquilo que critica.